I
A ORIGEM DO
MUNDODe manhã, apanho as ervas do quintal. A terra,
ainda fresca, sai com as raízes; e mistura-se com
a névoa da madrugada. O mundo, então,
fica ao contrário: o céu, que não vejo, está
por baixo da terra; e as raízes sobem
numa direcção invisível. De dentro
de casa, porém, um cheiro a café chama
por mim: como se alguém me dissesse
que é preciso acordar, uma segunda vez,
para que as raízes cresçam por dentro da
terra e a névoa, dissipando-se, deixe ver o azul.
II
POEMA DE AMOR PARA USO TÓPICOQuero-te, como se fosses
a presa indiferente, a mais obscura
das amantes. Quero o teu rosto
de brancos cansaços, as tuas mãos
que hesitam, cada uma das palavras
que sem querer me deste. Quero
que me lembres e esqueças como eu
te lembro e esqueço: num fundo
a preto e branco, despida como
a neve matinal se despe da noite,
fria, luminosa,
voz incerta de rosa.
Nuno
Júdice (1949), poeta português. (www.citador.pt/poemas/jogo-nuno-judice)
4 comentários:
Dois grandes poemas
Fazendo brotar em mim
Vastas inspirações!
Dois poemas, duas intersecções, e uma boa escolha. Um poeta que só enriquece a literatura portuguesa.
Abr.,
Tão bonitos...
Grande abraço Prof. Jayme. Bela escolha.
Obrigado a todos! Considero Nuno Júdice a voz poética mais viva da atual literatura portuguesa.
Abraço a todos.
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