PÁGINAS

sábado, 22 de junho de 2013

As primeiras dores

Prosa de Kleber Lima


Estou batendo minha cabeça contra a parede.
O sangue já deve ter tomado boa parte do rosto, descido pelos ombros e arruinado toda a estampa da camisa. Adquiri este hábito horrível. Acontece que todas as vezes que o faço, é justamente isso que busco: abrir minha cabeça, deixar que algo lá dentro escape, se derrame.
Na maioria das vezes, é claro, a cabeça bate forte demais. Aí, as escoriações à mostra logo denunciam alguma involuntária desatenção, pois ninguém acreditaria que você chocou deliberadamente a cabeça tentando, com algum desespero, esquecer algo, apagar uma imagem, reorganizar sobre o areal da mente os frágeis montantes de areia que se formam por algum ocaso e que ficam espalhados ilogicamente. Afinal, e isso é bem sabido, às vezes não se quer pensar em muita coisa, mas como entupidos os habituais corredores de onde surgem essas imagens, você não pode escoá-las. O pior não é isso. O pior é que elas atraem associações irracionais e perigosas. Cruzam-se, criam pontes entre si, à revelia mesmo da minha sanidade, e fazem-me pisar em paisagens rarefeitas, de figuras inumanas, onde tudo se desfigura e onde os seres se comunicam através de peripécias silenciosas.
Fico com esse trânsito na cabeça, congestionado. Minha mãe é a que mais se preocupa, naturalmente. Minha sorte é que a porta do quarto tem chave, assim me tranco e permaneço o tempo que for preciso, lançando sorte de toda minha habilidade de me camuflar quando tenho que ir até outro cômodo da casa, até o inchaço diminuir ou desaparecer.
Acontece que já não suporto isto. Desta vez bati forte a cabeça, forte demais. Imediatamente fiquei tonto. Tudo ao redor se tornou uma grande vertigem. Contudo, enfim, sinto um alívio. Sabe aquele momento em que você sente as ideias fluírem? Que lucidez há neste fechar de olhos!

*


Kleber Lima é bibliotecário e reside em Fortaleza - CE.
Leia mais do autor na revista Mallarmargens.

2 comentários:

José Carlos Sant Anna disse...

A prosa de Kleber flui como as ideias na cabeça após o choque. Um belo texto, Lara.
Abr.,

Anônimo disse...

Foi também a sensação que tive, José.

As prosas de Kleber possuem um anticlímax, levam-nos ao sentir que empurramos para o fundo, e ao mesmo tempo, a uma anestesia das ideias em combustão.

Abraço.