Prosa
de Kleber Lima
Estou batendo minha cabeça contra a parede.
O sangue já deve ter tomado boa parte do rosto, descido pelos ombros e
arruinado toda a estampa da camisa. Adquiri este hábito horrível. Acontece que
todas as vezes que o faço, é justamente isso que busco: abrir minha cabeça,
deixar que algo lá dentro escape, se derrame.
Na maioria das vezes, é claro, a cabeça bate forte demais. Aí, as
escoriações à mostra logo denunciam alguma involuntária desatenção, pois
ninguém acreditaria que você chocou deliberadamente a cabeça tentando, com
algum desespero, esquecer algo, apagar uma imagem, reorganizar sobre o areal da
mente os frágeis montantes de areia que se formam por algum ocaso e que ficam
espalhados ilogicamente. Afinal, e isso é bem sabido, às vezes não se quer
pensar em muita coisa, mas como entupidos os habituais corredores de onde
surgem essas imagens, você não pode escoá-las. O pior não é isso. O pior é que
elas atraem associações irracionais e perigosas. Cruzam-se, criam pontes entre
si, à revelia mesmo da minha sanidade, e fazem-me pisar em paisagens
rarefeitas, de figuras inumanas, onde tudo se desfigura e onde os seres se
comunicam através de peripécias silenciosas.
Fico com esse trânsito na cabeça, congestionado. Minha mãe é a que mais
se preocupa, naturalmente. Minha sorte é que a porta do quarto tem chave, assim
me tranco e permaneço o tempo que for preciso, lançando sorte de toda minha
habilidade de me camuflar quando tenho que ir até outro cômodo da casa, até o
inchaço diminuir ou desaparecer.
Acontece que já
não suporto isto. Desta vez bati forte a cabeça, forte demais. Imediatamente
fiquei tonto. Tudo ao redor se tornou uma grande vertigem. Contudo, enfim,
sinto um alívio. Sabe aquele momento em que você sente as ideias fluírem? Que
lucidez há neste fechar de olhos!
*
Kleber Lima é bibliotecário e reside em Fortaleza - CE.
Leia mais do autor na revista Mallarmargens.
2 comentários:
A prosa de Kleber flui como as ideias na cabeça após o choque. Um belo texto, Lara.
Abr.,
Foi também a sensação que tive, José.
As prosas de Kleber possuem um anticlímax, levam-nos ao sentir que empurramos para o fundo, e ao mesmo tempo, a uma anestesia das ideias em combustão.
Abraço.
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