PÁGINAS

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Oração n. 5




Anjos, inventem a tesoura de abrir veias, palavras escorrendo como sangria desatada, o fluxo, porque sangue parado é veneno, veneno de palavras que vão cavando fundo seus lugares, suas cicatrizes-sentimentos, porque alma é corpo, corpo de sangue e palavras, na alma calada por espinhospalavras o corpo se fecha, um labirinto de arame farpado fechado sobre si mesmo, cuja saída, ilusória, é o centro, o centro onde estão adormecidasdespertas as palavras sujas de sanguebílis amarela, sanguebílis negra, a terra infértil que é um lodaçal, um paradoxo de morte e vida, vida cega tal a morte, persistente vida, palavras são organismos que se arrastam, mastigam a alma por dentro, palavras têm fome, anjos telepatas, inventem instrumentos cirúrgicos estranhos, andem com flores agarradas no coração, conheçam o sofrimento com a precisão de quem também vê o lodo de perto, o lodo da vidamorte, que as palavras sangrem, caiam no chão, o destino delas não me interessa, anjos, venham com preciosos instrumentos de observação, lupas pra vermos em escala reduzida e intensa as florações das luzes de Brasília, quando a luz bate no olho e das pálpebras brotem pétalas translúcidas-vermelhas e o silêncio multiplique encantos.

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Poema do "Livro de Orações", de Daniel Faria. Leia mais do autor na revista Mallarmargens e no blog Língua Epistolar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu, que já me habituei a decorar trechos de poemas que gosto para repetir para mim mesma antes de dormir, achei ideal o título deste livro de Daniel Faria. Poesia é minha forma de "rezar" há muitos anos, de me encontrar, ou de me perder sem precisar me preocupar com satisfações ou vestígios. O Livro de Orações conversou comigo, é um objeto vivo. Creio que o Daniel tenha conseguido o elo pretendido com o absoluto que ele fala no livro; a comunicação com o deus azul inexistente. Eu me vi em várias oraçõespoemas, e acredito que todo mundo se encontre ali em algum momento, ou se perca, se preciso, conversando consigo, com o absoluto, com o nada.

José Carlos Sant Anna disse...

E agora, José? Depois de ler essa apresentação de Lara corro para o(s) texto(s) de Daniel Faria porque o que ela diz, o diz tão bem, tão segura e objetiva, que não há outro caminho a fazer. Percorrido o caminho, volto para dizer que valeu a pena ter ido e também dizer a Lara
que o texto de apresentação é de uma precisão cirúrgica!
beijo, Lara!
Abraço, Daniel,

Tania Anjos disse...

Larinha, de fato a apresentação que você faz dos poetas é algo de excelente, pois torna a leitura ainda mais agradável. Você leva jeito para resenhas, análise e crítica literária.

Gostei muito, não conhecia o poeta.

Um beijo. Obrigada por nos trazer escritas tão bonitas.