PÁGINAS

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Metacorporificável




Na foto, o artista Chiu Yi Chih
maliciosamente submergidas em concavidades enceradas as mãos expiatórias combatem dentro daquele rosto indevassável como se a âncora dos vultos acometidos por uma febre crepuscular as expulsasse para o refúgio do ocaso a tal ponto que inflamadas pudessem se ajoelhar atrás dos tímpanos da tigresa retorcida qual noites reclinadas em fibras de anil na sua famélica raridade de desordem inaudível como se entre milhões de filamentos enfileirados cada uma pudesse se encolher ainda mais enquanto todos insípidos sabores se inseminam por debaixo das efabulações falidas sem poderem decifrar o método de involução dessas pequeníssimas terras tal a indissolubilidade do desejo de certas cadeiras agônicas em cada fenômeno epidérmico onde o ruído da inexatidão pode então se despencar em séries de vidros encarniçados ou como se na latência amplificadora se excitasse a fonética de cada borrão escultórico que parece suspender sobre a costela frágil da lua este pássaro de coração cinzelado ao mesmo tempo em que se fractura aquela ociosa mulher de espelhos fumegantes assim como seria irrefreável a sofreguidão dos nossos renascimentos quando o olho nem parece mais corresponder àquela rajada íntima de fêmures que cada vez mais vocifera por detrás dos limites improváveis

*

 
Chiu Yi Chi (Taipei, Taiwan, 1982) é mestre em Filosofia pela USP. Publicou o livro de poesia Naufrágios (Ed. Multifoco). Atua no LOZ-2962 STUDIO realizando trabalhos na intersecção híbrida de escultura, performance, vídeo e poesia. Está preparando a publicação de dois livros, Metacorporeidade (filosofia) e Philomundus e outras prosas (prosa poética). Mantém o blog: http://philomundus.blogspot.com


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

3 poemas de Frederico Barbosa



Desexistir

Quando eu desisti
de me matar
já era tarde.

Desexistir
já era um hábito.

Já disparara
a auto-bala:
cobra cega se comendo
como quem cava
a própria vala.

Já me queimara.

Pontes, estradas,
memórias, cartas,
toda saída dinamitada.

Quando eu desisti
não tinha volta.

Passara do ponto,
já não era mais
a hora exata.


 Do contra

Descontente,  escrevia poesia:
contra.                         O nada,
a cada palavra sua,   alargava.
Doente, escrevia poesia:
contra.               O nada,
a cada palavra, alagava.
Débil,    vivia poesia:
contra.        O nada,
cada palavra calava.
Morreu poesia:
contra o nada,
velha palavra.

  
A Fórceps



não me comemoro
nasci
e é só

nenhum mérito nisso

só o perigo
de saber-me vivo

**

aos que se celebram
meus parabéns

vivam os vivos
o que lhes convém

*

Blog do poeta Frederico Barbosa: http://fredericobarbosa.wordpress.com/

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

música de trabalho

Poema do livro "Casa das Máquinas", de Alexandre Guarnieri
 

 

nem sempre é terrível a música orquestrada das máquinas pesadas, sobretudo se ágil e sincopado o ritmo de todos os motores a diesel enquanto deslizam. vez por outra um solo monocórdico sobressai à percussão dos pistões, monólogo desencontrado sobre coro de vozes intercambiáveis.



nem sempre é triste mas trinca naquela liga entre o aço mais elástico e o arrasto do ferro incrustado de ferrugem rubra, engrenagem por engrenagem, até o trêmulo epicentro dessa gangrena fabril. nem sempre se repetem, nas forjas, tantas outras dessas órbitas ruidosas,



enquanto dura a jornada diurna, um barulhário, mas fora das fábricas, talvez o sono do operário solitário o reconstrua quase à integralidade, invadindo os tímpanos, sincopando, o ritornello reclamado ad aeternum, um dentre tantos outros pesadelos: o augúrio do contrato de trabalho.



nem sempre é gratuitamente lúgubre, ou longa, a música regulatória da vida útil (nula, reclusa) dos metalúrgicos na indústria, símiles a refis vazios, ou quaisquer outros receptáculos deflagrados, quando entregam dedo à fresa, vinagre o sangue acre, tétano ou qualquer febre, fusíveis sem brio ou viço, descartados, pinos por dispensáveis: necessário substituí-los.


*

 
Alexandre Guarnieri (Rio de Janeiro, 1974) é arte-educador habilitado em História da Arte pela UERJ, e Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Pertence ao corpo editorial da revista Mallarmargens. "Casa das Máquinas" (Editora da Palavra, RJ, 2011) é seu livro de estreia. Seu próximo livro, "Corpo de Festim", aguarda lançamento para 2014.
 


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Escuro



Ilustração: Joniel Veras


o que surgiu primeiro e criou tudo, uns dizem o silêncio – outros o escuro ; não foi boom de big bang brilho puro, nem foi uma explosão chamada deus ; as coisas corpo cosmo e o que nasceu têm bem menos de luz e mais de breu ; repara o natural nesse universo : basta piscar e a noite vem pra perto ; no céu matéria escura por completo ; o sol e um dia só vai se apagar ; tanta lâmpada engana a noite cá, mas a luz cumpre um prazo pra durar ; em breve o truvo volta pro seu ponto mostrando o breuniverso em que me encontro – somente o escuro fica infindo assombro ; o que criou todo esse espaço em curso ( calor e o modo orgânico no mundo ) uns dizem o silêncio – outros o escuro ; parecem ter surgido os dois juntos – um bloco concentrado cego e surdo – e vão permanecer princípio e fim de tudo : começo de um gorgulho, gente ou susto, o impulso do esculêncio ou silenscuro



Texto e imagem retirados do livro Cabeça de Sol em Cima do Trem, de Thiago E. Leia mais em Mallarmargens.

Ouça a banda de que o autor faz parte: Validuaté.

Textos declamados do poeta: https://soundcloud.com/thiagoe