PÁGINAS

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Dois poemas




Solo

Coreógrafa
de carências
danço só
na (de)cadência
que
bem
me
apraz
Meu descompasso
afugenta
parcerias...

Agustin Bejarano


Coisas e nadas

Como sorver o oco
 e sentir gosto 
no insosso?
E experimentar sensação
num intimo de nada?
Quem há de ter prazer no
recôndito da cava?
Imensurável a peripécia
de saciar fome
digerindo vácuos
e ausências.

Rossana Masiero


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A POÉTICA PRIMOROSA DE WILSON NANINI


reciclagem
com a nudez ao lado saber
dar bom uso à insônia


suicídio
em entressafra de afetos
semeiam-se as pirambeiras


saudosismo
um trem de ferro vai para
os longes vai para a
fábula vai para sempre


poesia
multicolorir os ceróis, os sóis cruéis
me põe a salvo? me põe como que
um algo sedado: isso me basta?



enxame
de longe era quando
chegou perto não
era era
uma revoada


desejos
o do rio, ser céu; o do céu, ser rio;
o do pássaro, estar entre


poetave
eu, antes adaga, agora a-
ve para que onde houver fronteira
haja asa


poetave II
passo a catástrofe da passagem
de um a outro instante me indagando:
“derivo de que ave?”




Drummond me desrinbadiou


cda (reinterpretado)

essa pedra no meio do caminho
essa pedra no meio do caminho
se não fosse pela fadiga
se não fosse pela fadiga
eu chegaria ao outro lado dela
eu chegaria ao outro lado dela
através de um túnel
através de um túnel
esculpido
(inventado)
com a minha própria língua


- Wilson Nanini- 



Para ler mais o poeta vivo clique AQUI.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Marianas (1)


Atualmente a poesia de três Marianas me encantam. Hoje publico a primeira: Mariana Campos - buhobranca





hoje eu estou às avessas,

mais poeta do que nunca.



exercícios de releitura de ana c. c.


não era casa

jardim
pessegueiro perseguindo
invisível

porta sem janela
gatos-preguiça

esvaziando-se na mudança

travesseiro
tranquilo e desinfetante



a gente acha que tudo,

e não descansa ainda que.

mas a partir de hoje eu quero sugerir:

uma coisa.



a hora parou em 19h27. minha melhor amiga me sorriu enquanto todos ao redor pensavam em português e escreviam:
- hay mucho que decir,
continuando calados.

a manga, camisetas verdes, o olhar maduro e as pernas insistentes em se roçar.

eu tinha medo de olhar no relógio porque acabei de descobrir a hora de minha morte. mas os narizes arfando ainda davam a sensação de ser-noite, fria-invernal embora ninguém explicasse o calor do coração, a menstruação lenta.

um cão me contornou os seios, recebi cartas.

nunca respondi. desgosto adeuses.
até breve. até breve. até breve. marcavam os ponteiros do tempo, laceado de tanto espreguiçar-me,
esticando o que me restava.

esticava o tempo e via os olhos do menino e outro menino por detrás dos olhos do menino enquanto pensava o que teria para jantar na casa dos meus pais, se minha mãe cozinhasse as palavras:

abóbora, casadinho.

papilas e cheirá-las junto aos cães, farejando o mistério entre dois azulejos. o céu,

uma ave passou detrás dos olhos da nuca e eu me perdi. eu sempre me perdia e aves sempre passavam. era mais natural do que se pensava, essas aves pensando.

o relógio voltou a andar. era natural.




ainda falta muito?
já chegamos?

do banco detrás -
eu perguntava a papai, sobre a vida.

preciso fazer xixi!




um bilhete por debaixo da porta:

está me ouvindo rabiscar esse poema?



é bom


é bom ter o coração, assim, sangrando de alegria.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A instigante poesia de Alberto Lins Caldas


“faço livros como quem cria contradições, cria nós, solta bombas no meio da rua. qualquer coisa q pareça o contrário disso não é minha literatura.
e em tudo o q exerço minha “visão de mundo” exerço como um deslocado, um ser estranho q vive pra minar o existente, o institucional, o estabelecido: jogo pra quebrar as regras, por não poder estar em outro lugar, outro tempo: aqui e agora é o campo e o momento da luta. por isso não pertenço a nenhum lugar, seja cidade, região, país ou mundo. escrevo como respiro: contra o horror”

Alberto Lins Caldas

http://poemasalbertolinscaldas.blogspot.com.br/

*
● lingua gente e corpos doentes ●
● esses mesmos os de sempre ●
● me empurraram pro navio ●
● isso faz mais de vinte anos ●

● sem olhar pra tras ou pra frente ●
● sem querer nada apenas fugir ●
● sem precisar chegar ou partir ●
● apenas algo entre os dentes ●

● alem e depois do tempo ●
● me escondendo ali por dentro ●
● comendo lixo com os ratos ●
● vivendo o medo pelas brechas ●

● degustando a loucura de todos ●
● a fome dos famintos e a dor ●
● de todos e de todos o suor ●
● esse q jorra sempre pra outro ●

● descobriram e me jogaram ●
● nas ondas gordas desse mar ●
● sem uma balsa sem nada ●
● apenas as ondas e a saliva ●

● ate essa terra isso desolado ●
● q de tão triste sempre me escapa ●
● e o pior o pior de tudo ja e agora ●
● é q não ha mais sonho ou coragem ●
*

George Georgiou


*
● as abelhas chegaram hoje cedo ●
● e ate agora zumbem ao redor ●
● da cabeça de bronze da estatua ●
● aqui no centro da nossa cidade ●

● e algumas ja entraram pelo ouvido ●
● e aos poucos vão sumindo la dentro ●
● sabemos q essa colmeia violenta ●
● vai nos alimentar por muitos anos ●

● depois q a fome começar ●
● mas não temos segurança alguma ●
● q enlouqueçam e vão embora assim ●
● sem avisar nos deixando todos ●

● na mais desesperada fome e raiva ●
● se bem q devemos esquecer isso ●
● devemos dançar e rir e gozar ●
● acordar as fogueiras e dançar ●

● por muito tempo teremos mel ●
● e a triste presença das abelhas ●
*
Raymond Depardon

*
● esse punhal dente de sabre ●
● esse punhal carrego entre costelas ●
● bem enterrado entre pulmões e coração ●
● isso mais ou menos ha doze anos ●
● quando lutamos e perdi ●

● exausto ate hoje inda sem saber ●
● havia sempre matado tigres e chacais ●
● principalmente em noites como aquela ●
● sob as luas sangrentas entre os rebanhos ●
● e foi vencido porq esse é o caminho ●
*
Gerardo Montiel

*
● assim ficamos sabendo ●
● q kavafis ●
● o arpoador negro ●
● q chegou depois da sopa ●
● matou ●
● entre o nascer●
● e o por do sol ●
● quinze baleias ●
● porq o tempo permitia ●
● tambem porq ●
● naquele mundo ●
● havia homens e arpões ●
● e a vida era tão maior ●
● q não se pensava nisso ●
*

domingo, 21 de outubro de 2012

Dois Exemplos da Refinada Poesia de Eleonora Marino Duarte

 

CRIAÇÃO

Não sei se Deus tem uma partícula
particularmente eu tenho um Deus

Se correm rios com um átomo meu
ou se um átomo meu é um rio liso

Não me degenero ou acabo apenas
nunca existi realmente só em mim

Nas papilas do meu sabor serei
o mesmo sal das pupilas abertas,

À parte, todas as partes são únicas
em unidade, todas as partes sou eu.


ESPUMA


De uma hora para agora
só o branco me seduz,

da mistura de tudo talvez
só a síntese me acalme

ou me declame em luz
a voz facetada no cristal!

Do oceano tão intenso e azul
só vejo a espuma a espalhar-se

Ondinas santificadas na maresia
sacrificam as vestes prateadas

Fazem juras em meu nome, velam
as lágrimas, as dores, as ausências

Para que eu olhe sem medo
os nomes nos ossos submersos…

Sem aviso, sem Nau, sem rumo
os matizes esfumaçaram-se ao Sol

As cores se perderam no voo da garça,
ficou todo branco meu manto de mar.

***


(*) Você encontrará mais do trabalho de Eleonora no blog Versos & Ideias e a partir dele em outros pontos cardeais.


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

TRÊS BELOS POEMAS DE GERMANO XAVIER



Rótulo

vou passar a amar a palavra
como jamais amei,
vou lhe dar um nome
escolher um sobrenome

vou amar a palavra
acima de todas as coisas
e abaixo de todas as outras
assim como amo as coisas do meio
sem receio

amar a palavra que é a coisa
própria coisa da coisa própria
o nome próprio que é seu

amar a borboleta da palavra
larva na lavra lava para depois
do casulo, o vulcão e a asa


Objeto a falha no que me atualizam resoluções

Para Mariza Lourenço

tome um café
sinta, senta (será que você sente?)
café esperta a alma
(o mundo tão down...)
sem alma
tá danado viver
prum cara que nem deveria ter nascido
imagine a dureza

eu gostei do cachecol dobrado assim
no teu pescoço
você ficou uma puta charmosa

- vieni qui, bambino

nossas línguas quentes
não pelo café
pela dor de tudo
o amor de tudo
olha só aquele que vai por lá
vai carregando o mundo

sabe, italiana, sabe
tá me faltando punch
cimento crueza cinza mortalidade
me contorce
nenhum mito existe
eu que acredito tanto

senta aqui
meu colo pode ser o único lugar possível
o espaço aliado
o front vivo
não me deixes sem tua pele

eu pedi um drink vermelho porque é a oportunidade estou aqui debruçado na janela olhando o mundo lá fora o mundo aqui dentro é tão irreal o mundo lá fora é tão fotográfico quanta miséria hidrantes sem água calçadas sem 

bueiros

vê se te manca
caia fora enquanto podes
não adiantará nenhum relatório
posso sentar aqui?


Umbilicus

em nossa fábrica
fabrica-se o ilógico pano das cortinas,
das cortinas plásticas, elásticas, fluxíveis, leves
como plumas, rijas como planos,
densas como brumas e você,
este puma,
animal arisco no teatro sem vista para o ser.

em ti me junto, emplastro, me uno,
me curvo me cubro me deixo
ir

que somos feitos na mesma fábrica
com grosseiros ingredientes de iguais
e não nos conservamos. não, vamos,
e indo nos deixamos nos anos e nos amamos
na praça da fábrica que fundamos
de amor líquido, de amor sólido,
de amor-gás

tão voláteis como nossos reencontros.


Germano Viana Xavier, de Iraquara – BA, é poeta, escritor, professor e jornalista. Outras belas publicações do autor podem ser lidas em seu blog “O Equador das Coisas”: http://oequadordascoisas.blogspot.com.br/


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Poesias de Silvana Cristovão da Silva


Poesia de Silvana Cristovão da Silva,
onde a palavra é um sentir permanente!



Poemas selecionados por Graça de Souza Feijó.




Príncipe

O mal no peito que destinava
Minh’alma pura a uma dor sem fim
Tinha um nome e assim se chamava
Saudade, grande, de ti e de mim.
Momentos lindos por nós vividos
“in memoriam” um disfarçado breu
Tão guardados que nem mesmo duvido
Ver agora, assim colados, teu rosto e o meu


Para o Dimi, dezembro de 2006.



Maria, Maria

Bem-te-vi verde não existe
Não existe nas pradarias
Pássaro cor de azeitona
Beija-flor, pinto ou corrupia
O Bem-te-vi do teu coração
É muito verde Maria



Desculpe Senhor

Quero passar
Estou com hemorragia
Sangro do meu amor
Desculpe Senhor
Quero morrer
Apenas livre-me desta agonia
Deixe-me morrer
Aos poucos
e em silêncio
E esqueça, Senhor
pois por amor
Mais mil vezes morreria

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

daqueles que não partem


as palavras ausentes. Madre Deus 


Mar adentro, mar adentro,
y en la ingravidez del fondo
donde se cumplen los sueños,
se juntan dos voluntades
para cumplir un deseo.

Un beso enciende la vida
con un relámpago y un trueno,
y en una metamorfosis
mi cuerpo no es ya mi cuerpo;

es como penetrar al centro del universo:

El abrazo más pueril,
y el más puro de los besos,
hasta vernos reducidos
en un único deseo:

Tu mirada y mi mirada
como un eco repitiendo, sin palabras:
más adentro, más adentro,
hasta el más allá del todo
por la sangre y por los huesos.

Pero me despierto siempre
y siempre quiero estar muerto
para seguir con mi boca
enredada en tus cabellos.

Poema do Fime Mar Adentro

sábado, 13 de outubro de 2012

POEMINHA EM LÍNGUA DE BRINCAR


Ele tinha no rosto um sonho de ave extraviada.
Falava em língua de ave e de criança. 

Sentia mais prazer de brincar com as palavras 
do que de pensar com elas.
Dispensava pensar.

Quando ia em progresso para árvore queria florear.
Gostava mais de fazer floreios com as palavras do
que de fazer ideias com elas. 


Aprendera no Circo, há idos, que a palavra tem
que chegar ao grau de brinquedo 
Para ser séria de rir.


Contou para a turma da roda que certa rã saltara
sobre uma frase dele
E que a frase nem arriou. 

Decerto não arriou porque tinha nenhuma 
palavra podre nela.

Nisso que o menino contava a estória da rã na frase
Entrou uma Dona de nome Lógica da Razão. 
A Dona usava bengala e salto alto. 

De ouvir o conto da rã na frase a Dona falou:
Isso é Língua de brincar e é idiotice de criança
Pois frases são letras sonhadas, não têm peso,

nem consistência de corda para aguentar uma rã 
em cima dela

Isso é língua de Raiz – continuou
É língua de Faz-de-conta
É língua de brincar! 

Mas o garoto que tinha no rosto um sonho de ave 

extraviada
Também tinha por sestro jogar pedrinhas no bom 

senso.

E jogava pedrinhas:
Disse que ainda hoje vira a nossa Tarde sentada
sobre uma lata ao modo que um bentevi sentado
na telha. 

Logo entrou a Dona Lógica da Razão e bosteou:
Mas lata não aguenta uma Tarde em cima dela, e
ademais a lata não tem espaço para caber uma
Tarde nela!
Isso é Língua de brincar
É coisa-nada. 

O menino sentenciou:
Se o Nada desaparecer a poesia acaba. 

E se internou na própria casca ao jeito que o
jabuti se interna. 



Poesia Completa/Manoel de Barros
São paulo: Leya, 2010

LIVROS INFANTIS
Poeminha em Língua de brincar [2007] - página 485


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Corpo



Acrobata enredado
em clausura de pele
sem nenhuma ruptura
para onde me leva
sua estrutura?

Doce máquina
com engrenagem de músculos
suspiro e rangido
o espaço devora
seu movimento
(braços e pernas
sem explosão)

Engenho de febre
sono e lembrança
que arma
e desarma minha morte
em armadura de treva.




Armando Freitas Filho

terça-feira, 9 de outubro de 2012

DOIS POEMAS DE ZULMIRA RIBEIRO TAVARES


Vida: objeto de desejo

Nós desejamos pinguins.
Não os de geladeira
com seu peso fixo de massa pintada
sua estatuária de cozinha
sem nenhum sopro de da Vinci.

Nós desejamos pinguins.
Não os das geleiras
que nos esfriam os dedos
ao toque de suas penas firmes.
Frios são os caminhos que a morte nos envia.

Desejamos os pinguins de nosso assombro
fechados dentro de nós no desejo
como pérolas nas ostras.
Ostras não sabem das pérolas
que engendram e trazem consigo.
E nós que os formamos do escuro,
deles só temos o rastro, pinguins,
com seu brilho
de nácar.


De velhos cadernos escolares


Partimos de barco em direção à ilha, pequena,
redonda e verde como a dos cadernos escolares.
No centro, alguns coqueiros.

Ao pisarmos o seu chão, desfez-se, desprendendo
cheiros de vegetação e terra úmida que se
juntaram ao de maresia. Como se no ar à nossa
volta perdurasse em novo arranjo, ilha e mar.

O equilíbrio na água era precário. Certo tremor
agia em cada um como instrumentos de corda
quando a propagação de sons tem seu início.
De volta ao barco não olhamos para trás, nem
que figura ali deixáramos às nossas costas, sem
real força remissiva.

Zulmira Ribeiro Tavares – São Paulo, 1930.
Romancista, contista, poeta, ensaísta e crítica de cinema.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Olhos fechados


Poema de José Luís Peixoto


Fecho os olhos. vejo luzes de cidades distantes. a noite
distante. vejo o brilho de um sonho tão impossível.

a escuridão é absoluta. a escuridão é infinita.
todos os cegos sabem que a escuridão é a morte.

fecho os olhos. vejo aquilo que se vê com os
olhos fechados.

a tua ausência é, em cada momento, a tua ausência

a tua ausência é, em cada momento, a tua ausência.
não esqueço que os teus lábios existem longe de mim.
aqui há casas vazias. há cidades desertas. há lugares.

mas eu lembro que o tempo é outra coisa, e tenho
tanta pena de perder um instante dos teus cabelos.

aqui não há palavras. há a tua ausência. há o medo sem os
teus lábios, sem os teus cabelos. fecho os olhos para te ver
e para não chorar.



José Luís Peixoto nasceu em 1974 em Galveias, Ponte de Sor, Portugal. A sua obra ficcional e poética figura em dezenas de antologias traduzidas num vasto número de idiomas. Recebeu prêmios pelos romances: "Nenhum Olhar" e "Cemitério de Pianos", e o prêmio de Poesia Daniel Faria com o livro "Gaveta de Papéis".


Leitura do poema "Olhos Fechados":


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Dois poemas de Nilson Barcelli

Dentro de ti

Dentro de ti,
és a mulher sem-par que tenho,
mas não pego,
de ti, o gozo nos meus braços totalmente.

Dentro de ti,
vou-te perdendo tolhido
pelo mutismo da renúncia,
cada manhã despida de horizontes
faz crescer o meu exílio
e cada voz em silêncio é uma grade
acrescentada na minha prisão.

Dentro de ti,
com o sol a morrer em pegadas de imundície
e varrida pela
brisa enxovalhada na mentira que campeia,
não há trabalho nem pão.

Dentro de ti,
já não sei se és minha mãe,
porque os tempos, mátria minha,
não se cruzam com a nossa liberdade.
Mas eu não te renego, ainda que hoje sejas
a minha pátria mal-amada.


(Poema: Nilson Barcelli © Julho 2012)



Do outro lado da porta

Logo que as doze badaladas soaram,
fez-se um silêncio de porta blindada, impermeável.

Os pássaros tristes [um de cada lado],
apesar de muito vivos e finos,
sentiram a bravura domada pela espessura
[vazia nas mãos] das festas há muito trocadas.

Um, pintou o mar imenso na porta,
mas não pensou no caminho marítimo para a Índia.

O outro, pintou um pomar, mas não foi
o sabor dos frutos que lhe veio à lembrança.

Agora, com o eco das doze badaladas às costas,
caminham com o óbvio na barriga
a ensaiar o olhar no aquém do horizonte [a aliança
está morta], mas todos os caminhos da mente
vão dar a Roma, do outro lado da porta.


(Poema: Nilson Barcelli © Novembro 2010)


Blogue do Nilson: NimbyPolis



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Poesia de Mariana Gouveia


# extratos III

#
Às vezes ouvia músicas que trazia momentos.Meio relicário,sei lá...O rádio tocava a canção e ela queria dançar.
Também usava palavras que não eram suas para dizer que a amava. Palavras da própria canção que ouvia e que ela queria dançar.Era um desejo secreto.

#
E o silêncio tomou conta de tudo.Ao percorrer os aposentos nesse dia buscou ela em cada canto.
O espelho mostrava a estranha em que ela mesma havia se transformado.Não havia mais música tocando.
Só o vidro vazio do seu perfume continuava a exalar a essência que ela tanto buscava nos lençóis,no travesseiro.
#
E havia ainda o sabor da sua pele,a textura, aquela maneira de apenas fechar os olhos e tocá-la...quase sentia o gosto.
#
Chovia. Chovia sempre.E as palavras dela sobre a chuva ecoavam por ali...
e a maneira como ela lia Maria Teresa Horta ficou registrado numa gravação.
#
Também sentia a sua falta: a suavidade plena de pensar nela ali.
bebia o café junto com ela.Era assim que o dia começava a ser lindo.

#
Um dia,o rádio tocará a mesma canção e ela estara ali ao alcance dos beijos e das mãos.
Mariana Gouveia