PÁGINAS

domingo, 30 de setembro de 2012

Dois poemas de Lalo Arias


    • Lalo Arias ,o poeta que faz do sentir um momento maior!

      (Graça de Souza Feijó)





      CORAÇÃO




      tenho medo

      de não ouvir mais a tua voz

      ou de esquecer

      de ontem

      quando você saiu

      pra comprar um par de sapatos

      e voltou

      com três pares de sapatos

      tenho medo

      de ser sentimental demais

      e tenho medo do tempo

      mas ele é meu aliado

      ele me ampara

      enquanto eu respiro

      enquanto eu fico calado

      no balcão do bar

      em frente ao amigo

      que me serve

      alegria,

      por favor,

      é aqui que vivo

      é aqui que morrerei

      tenho medo

      que não haja mais tempo

      de dizer

      pai

      eu te amo

      ou de ouvir minha filha

      dizendo

      pai

      eu te amo

      tenho medo que não haja 

      mais tempo

      de ouvir as crianças

      recitando

      meus poemas


      (setembro, 2012)





      O MAIOR AMOR DO MUNDO


      Ontem saltei pela sétima vez
      da ponte
      A mesma ponte sem rio por baixo
      sem trovoadas por cima
      Imaginei um oceano
      coroando a noite
      como um mar de pétalas
      que se junta
      a um mar de pérolas
      que resulta
      num mar de pedras
      rolando
      por baixo da ponte
      E o frio era tanto
      que abraçar a mim mesmo não bastava
      Agarrar o ar
      revendo
      um barco que aderna
      por trás do horizonte
      enquanto salto
      pela sétima vez

  •  Lalo Arias

    (Dê um click)




quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Deus






Um Deus silencioso nos impele
a compreender a linguagem dos sinais.
Há em tudo um sentido : velado
à espera de quem melhor o traduza.
O verbo – o do princípio - segue
desafiando
razão : descrenças : preconceitos
[loucura : crenças : prepotências]
nas noites mais escuras
pode-se ouvir um eco vindo de dentro
do corpo/templo
em que este Deus habita.
No tempo do silêncio dos homens.

Nydia Bonetti






terça-feira, 25 de setembro de 2012

Dois poemas de MARIA ESTHER MACIEL




OFÍCIO

Escrever
a água
da palavra mar
o vôo
da palavra ave
o rio
da palavra margem
o oco
da palavra nada.





AULA DE DESENHO

         Estou lá onde me invento e me faço:
         De giz é meu traço. De aço, o papel.
         Esboço uma face a régua e compasso.
         É falsa. Desfaço o que fiz.
         Retraço o retrato. Evoco o abstrato
         Faço da sombra  minha raiz.
         Farta de mim, afasto-me
         e constato: na arte ou na vida,
         em carne, osso, lápis ou giz
         onde estou não é sempre
         e o que sou é por um triz.




Maria Esther Maciel

domingo, 23 de setembro de 2012

Móbile



O móbile
gigante que seus olhos não viram,

que seus olhos não quiseram,
que seus olhos não e não.

Ficou lá, inútil, adiado
sobre o domingo,

o monstro
que seus cuidados não souberam,

que seu medo não quis,
que nem ao menos.

Está lá, inútil, ardil desativado,
sobre nada,

lixo,
lixo,

mas, esteja certo disto, tinha o tamanho
certo de nos vestirmos com ele, para,

dentro dele, suspensos,
descansarmos na palma um do outro, acredite,

era lindo, era fácil,
era puro.


Eucanaã Ferraz


sábado, 22 de setembro de 2012

NOS DESCAMINHOS DA PALAVRA






NOS DESCAMINHOS DA PALAVRA

Márcio Claudino



Nos descaminhos da palavra
Estava escrito que céu é êxtase mirrado de sono azul.
Céu às vezes rubricado por raio de luar
E da estrela da manhã,
De brusquidão e lusco-fusco de navegação tenebrosa.
Nos descaminhos da palavra
Um reinventar o agonizante desfecho da tarde
E os solos de música derreada das charnecas.
Nos descaminhos da palavra,
Desaprender a cada dia o nome das coisas.
Nos descaminhos da palavra a palavra poesia dá sinônimo
À pedra...
Travesseiro onde descansar a cabeça mirrada da górgona...
Envio o meu coração embalsamado na urna memorial que voa.
Mando-te em veludo
A conta das dores dos dias em que te conheci.
Dias em que o descaminho da palavra amor
Nunca tanto significou
Colapso


O poeta Márcio Claudino, cujo nome completo é Márcio Davie Claudino da Cruz , foi o primeiro colocado no Concurso de Poesia Helena Kolody 2005 - 15ª edição. Da Secretaria do Estado da Cultura do Paraná – Categoria Paraná.

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Sugestão de postagem do Prof. Jayme Bueno

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

UMA AMOSTRA DA SURPREENDENTE POESIA DE DOMINGOS BARROSO

tambores no teto

Se nascemos uma folha em branco
e a cada dia da nossa morte
escrevemos nosso destino,

ai de mim
que sempre tive
as mãos trêmulas.

Mas se a ferro e a plumas
já acordamos no caminho

sem que treva alguma
possa escurecer
a viagem

e nenhum céu azul
possa fazê-la mais bela,

ai de mim
que ando trôpego
e quase cego.

Ainda hoje deixo parte da minha loucura
na porta de estranhos e de longe
tenho a impressão

que sou eu quem abre a porta
pega os pães, o leite, o jornal

e olha triste
o fim da rua.


Para acompanhar mais da poesia do excelente Domingos Barroso, vá até o blog dele: LACAIO DA POESIA

sábado, 15 de setembro de 2012

3 grandes poetas contemporâneos: Lalo Arias, Assis Freitas e Nina Rizzi


A CAIXA DE COSTURA DE DONA ANA

Este é um lugar cheio de fraturas
Pequeno osso
transformado em botão
Outro pequeno osso
outro botão
As cores são magníficas
e elas resistem há várias vidas
Estou cheio de fraturas
e agulhadas
Também
demorei meses para abrir
a caixa
E as linhas
então
enfileiradas
continuam enroladinhas
como se estivessem prontas
Carretéis de todos os tons
prontinhos pra partir
Certamente a espera
é a minha bagagem

Lalo Arias


ciranda de desconhecimento para senhora dos lilases

eu nada sei sobre o princípio das coisas
perscruto arcturus, aldebarã
espero um novo big bang para florir
por enquanto contemplo o caos
quero um estojo de madrepérolas
uma coleção de heliantos tardios
quem sabe o infinito esteja em teus lábios

Assis Freitas


lastro

a poesia dizia que a gente não ia mais parar
de se olhar. nunca mais, nunca mais.
e eu não li mais nada. quiçá viouvi. Amiúde

deixei de me derramar também. hoje,

eu dou umas risadinhas como as suas. umas
risadinhas assim, meio de leve, de olhar buendía. de você
peguei isso, assim, sem querer. você

me dá vontade de chorar.

Nina Rizzi
http://ninaarizzi.blogspot.com.br/

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Pérolas de Ianê Mello,poeta que derrama sua sensibilidade e sentidos.




PÁSSARO NEGRO


Solidão que invade
cálice de vinho

Companheiro mudo
Pássaro das horas
Negro pássaro


Chama de vida
Queima 
Arde



Rugas do tempo
Riso das horas...
Pálidas
Cativas

Peso das noites
Em ombros caídos

Flácido corpo
Cegos os olhos...

Pássaro Negro
em pouso febril
prisioneiro e algoz
pacientemente espera... 


SOB O LENÇOL




O lençol que teu corpo cobre
em pureza se revela
em branca alvura
da carne por ele revestida



...

em algodoados sentires
teu corpo repousa plácido
na memória adormecida
de noites de amor mal dormidas


·         ENTOANDO SENTIRES




Do rock ao blues
do blues ao jazz
passeio entre sons e tons

teço manhãs
em violinos e harpejos

incendeio entardeceres
em dissonantes solos de guitarra

amo entre lençóis
enquanto canta Billie

anoiteço em Miles e Miles
viajando nas estrelas
“Kind of blue”

Explode coração 
no peito do desafinado 
sangra a pele 
não dá mais prá segurar
gonzagueio em sentires

Olha lá o Nego
Itamar...
a cada Milágrimas
o milagre da vida

A música do mundo 
que toca
fora
a música do viver 
que bate
dentro

E a pergunta que não quer mais calar:
- E a vida o que é meu irmão?
E o coração que não se cansa
e vive na esperança...
Tum-tum, bate coração
e a resposta na pureza da criança:
- É bonita, é bonita e é bonita!!!!!


terça-feira, 11 de setembro de 2012

No coração das imagens

1. REVIRANDO A TERRA

"Quem ama as substâncias
ao designá-las já as trabalha."
Gaston Bachelard


Recordo saudosamente o tempo em que a terra
me encantava: do cheiro à massa; da cor à pasta.
Pasta maciça, consistência que excita os dedos ágeis,
de uma agilidade avessa, oleiro do improvável.
E era na terra que me sentia eu mesmo,
sonhador de unhas grandes, cavador de sulcos densos,
aprimorava a potência naturalmente esculpidora em mim.
Revirando a terra nas suas múltiplas possibilidades,
via um cosmo inteiro soterrado, funcionando numa lógica invertida.
Seres curiosos e sem olhos viam por vibrações:
cada tremular era sinfonia e filmes de imagens coloridas.
QUE ESPETÁCULO VER SEM OLHOS! VER POR VIBRAÇÕES!

Revirando a terra encontrava utensílios antepassados
e antepassados - antepassados mesmo! -
Sentado na terra habitava por momentos imensuráveis
o próprio mundo decorrido, já-passado!

Refrescando a mão árdua da posição de engatinhada,
sentia a úmida resposta das profundezas da terra,
e ali, cada vez mais, era eu mesmo que me sentia.
De olhos fechados, mão na terra, corpo espalhado
como raízes e galhos de um carvalho complexo
via como os seres do antromundo:
via por vibração, por densidade, pela umidade;
e sentindo, dizia todas as suas propriedades...
Ia sabendo a origem, a composição, a perecibilidade ,
a quantidade de solvente necessário
para uma maior maleabilidade da massa.
Tudo por aprender, como por osmose, revirando a terra.

Mas como dura pouco o trabalho devaneante!
Chicoteado nas costas, acordei no susto.
Com as sementes no fardo, derrubando-as desmedidamente,
descobri a brutalidade do ser despertado!
Revirando a terra em série, completei o turno,
mas conservei dentro das unhas de roedor,
fragmentos vibratórios da lição aprendida
no contato com a mais úmida terra.

Reservei em meu leito um espaço em que guardava
(a cada novo delírio terrestre) resquícios daquela terra sonhada,
e no minúsculo baú não pude hesitar em escrever:
"Santuário das terras reviradas."
Antes de dormir, quando acordo, antes do trabalho,
antes de SAIR PARA A VIDA,
toco, cheiro e recordo que a parte que mais me pertence
de mim mesmo fora deixada ali, num internato com os
seres cegos que enxergam por vibração: e a cada dia,
em cada abertura do santuário, uma nova lição
Sobre ver por vibração é aprendida, e
posso voltar à vida da maneira como ela é.


2. Espírito em borda

Só há bordas, margens,
Cais, nada mais visível
Aos planos oculares.
Aqui, tudo cai e jaz caído
Na verticalidade imposta
Éter à barro...
Embebemo-nos de bordas,
Rebocos no vazio, 
Mutirão que pinta o ar
E a arte faz vento -
Ou o vento faz arte?

Dobras no cais, onde a barca
Não se aproxima... Há que ser
Tocada por algum espírito
Intocado!

Rumores que escapam da posse, 
Ainda... Escape ao lado,
Lado-a-lado das margens, 
À fúria da flâmula que arde
À procura de todo espaço.
E há o que escapa: a volta, 
A dobra enérgica que afasta
Toda possessão!

O litoral, termômetro morno,
Convidá-nos a sermos bordas
Menos rebuscadas
Limpas em areias.
Desmancham o ser em líquidos
Que colorem o mar:
Homens n'água!
Escorrem atormentadamente
Levadas ao ritmo brando da brisa,
Aceitando ser margem encalhada.

Se avistares a dobra intocada
Do cais inatingível, dobre-se
Reverente: aquilo que não atingimos
Exige-nos reverência.
O liame intocado 
Deve ser reverenciado, 
Ainda que seja um cais,
Uma margem ou uma borda.

No calor, o que mais querer,
A não ser diluir-se lascivamente
Não temendo escapar aos princípios
Que prendem o corpo?
No calor, o corpo é borda,
Margem e dobra; dele
Sobe-desce raios brilhantes:
O corpo é margem em espetáculo
De cor, quando molhado, o sol
Reflete sua glória.
A areia, embebida do
Caldo quente dos 
Homens n'água,
Contém espíritos banhados
Em bordas...

E o corpo é espiritual em suas dobras
Que sobem-descem no vão
Intocado por espíritos intocados;
Corpo-cais, onde as barcas
Não conseguem tocar.



Ailton Volpato 

domingo, 9 de setembro de 2012

O POETA CEGO

O POETA CEGO

Eis o poeta cego.
Abandonou-o seu ego.
Abandonou-o seu ser.
Por nada ser ele verseja.

Bem antes do amanhecer
em seus versos talvez se veja
diverso de tudo o que seja
tudo que almeja ser.




Poema de ANTONIO CICERO
(dê um click e visite o blog do poeta)

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Mane, Tecel, Fares


Nosso banquete não sacia.
Comi o tempo inutilmente
e inutilmente é a única
palavra do epitáfio.

Mais pesada do que a terra
é a espessa pátina de tantos
desejos e outros venenos
que aqui jazem para sempre.

Sobre o peito, sobre nada
se entrecruzam meus dedos
nus e quebrados por sonhos
cheios de anéis.


[Ruy Espinheira Filho]

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Três poemas de Miguel Sanches Neto

Postagem elaborada pelo  Prof. Jayme Bueno
                                               (dê um click)


Em suas palavras:

“Poemas do amigo, ex-aluno, famoso crítico literário, grande romancista, excelente cronista. Como poeta é pouco conhecido. Porém, dos melhores.”




Ligação

(Miguel Sanches Neto)


Súbito me lembro de um antigo telefone.
Seu número irrompe em minha memória
e não sei de quem é, nem quando nem onde,
sei apenas que é um endereço que dói.

Disco sem esperança estes dígitos antigos
e então ouço chamar numa casa no tempo
à qual me prendo pelo cordão do umbigo
que não pôde ser cortado a contento.

Através de um fio imaterial me religo
às ruínas de uma infância só mito.
Do outro lado, alguém atende o telefone

e a voz que me chega por este conduto
é a da criança que tem o meu nome,
é a que perdi quando me tornei adulto.

(NETO, Miguel Sanches. Venho de um país obscuro, 2000, p.35)






Revendo uma foto antiga

(Miguel Sanches Neto)


Nesta foto do tempo de criança
o que mais me encanta
não é nossa alegria de infantes
mas a réstia de luz de uma manhã
brilhando no chão da varanda.

Ninguém apaga este sol
que nos chega da infância.

(NETO, Miguel Sanches. Venho de um país obscuro, 2000, p.53)






Balada do inquilino
(Miguel Sanches Neto)

Esta vida, não se iluda,
É uma casa alugada.
Haverá um dia em que
Não poderemos pagá-la
E seremos despejados.

Antes, outros perderão
O direito de habitá-la.
Aquele que vive no quarto
Com medo do desfecho
E quem, corajosamente,
Armou sua cama na sala
- todos irão do mesmo jeito.

Este senhorio é implacável.
Um dia não poderemos pagá-lo
E então nos expulsará deste berço
E passaremos a noite ao léu
- fantasma que nada tem de seu,
corpo, roupas ou endereço.

Um dia nos livraremos do aluguel.

(NETO, Miguel Sanches. Venho de um país obscuro, 2000, p.65)