Poema do livro "Casa das Máquinas", de Alexandre Guarnieri
nem
sempre é terrível a música orquestrada das máquinas pesadas,
sobretudo se ágil e sincopado o ritmo de todos os motores a diesel
enquanto deslizam. vez por outra um solo monocórdico sobressai à
percussão dos pistões, monólogo desencontrado sobre coro de vozes
intercambiáveis.
nem
sempre é triste mas trinca naquela liga entre o aço mais elástico
e o arrasto do ferro incrustado de ferrugem rubra, engrenagem por
engrenagem, até o trêmulo epicentro dessa gangrena fabril. nem
sempre se repetem, nas forjas, tantas outras dessas órbitas
ruidosas,
enquanto
dura a jornada diurna, um barulhário, mas fora das fábricas, talvez
o sono do operário solitário o reconstrua quase à integralidade,
invadindo os tímpanos, sincopando, o ritornello
reclamado ad aeternum,
um dentre tantos outros pesadelos: o augúrio do contrato de
trabalho.
nem
sempre é gratuitamente lúgubre, ou longa, a música regulatória da
vida útil (nula, reclusa) dos metalúrgicos na indústria, símiles
a refis vazios, ou quaisquer outros receptáculos deflagrados, quando
entregam dedo à fresa, vinagre o sangue acre, tétano ou qualquer
febre, fusíveis sem brio ou viço, descartados, pinos por
dispensáveis: necessário substituí-los.
*
Alexandre
Guarnieri (Rio de Janeiro, 1974) é arte-educador habilitado em
História da Arte pela UERJ, e Mestre em Comunicação e Cultura pela
UFRJ. Pertence ao corpo editorial da revista Mallarmargens.
"Casa das Máquinas" (Editora da Palavra, RJ, 2011) é seu
livro de estreia. Seu próximo livro, "Corpo de Festim",
aguarda lançamento para 2014.
2 comentários:
Enquanto me engrenava neste livro de Alexandre Guarnieri, tive a sensação de ser mais inanimada perante seus versos em perspectiva de maquinário. Isso porque, entre válvulas, engrenagens e tantos outros mecanismos, o autor hipnotiza o cotidiano estático traduzindo as falas dos seres sem voz ou de língua desconhecida. Seres que acabam sob um holofote cinematográfico, que recebem um clima de música, poesia... tudo ganha vida própria diante a ambientação criada em Casa das Máquinas.
poxa. muito bom!estou faminta de poetas que ainda nao conheço e surpreendem.
Postar um comentário