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segunda-feira, 6 de maio de 2013

Adriana Godoy


quando vim ontem pela rua

quando vim ontem pela rua vi um cachorro morto. fiquei olhando para ele imaginando como teria sido a sua vida de cachorro. então lembrei da minha vida e vi que não era muito diferente. me vi morta com a cabeça no passeio e o resto do corpo na rua. imaginei outro cachorro me cheirando com o focinho frio e o bafo quente. vi que ele saiu correndo, como quem corre do diabo. 
 
Arte: Rafael Godoy

feridas custam a secar

tenho em mim o resto de meus dias
e não sei de que são feitos
sei que horas são quando me chamam pra almoçar
ou qualquer outra besteira cotidiana
a não ser quando incendeia a lua
me importo menos com as coisas que me atormentavam tanto
e desisto de pular a janela
vou acumulando sorrisos e caretas
 feridas custam a secar
lobos passam silenciosos e com medo
percebo só as suas sombras
e isso me basta
um drink, amor?
para celebrar o vazio
o que importa
se os degraus são altos e não posso alcançá-los?
enojam-me as tragédias humanas
e sou uma delas
 
Arte: Rafael Godoy

então ele disse que era deus

então ele disse que era deus
já que a partícula de deus era ele
eu disse que também era
mas quando percebi estava conversando com o diabo
que também era a partícula de deus
e pensei em pulgas e carrapatos
nas baratas e camaleões
nos rios e oceanos e nas águas de chuva
e pensei como um vírus que é também partícula de deus mata
e pensei nos homens que matam e são cruéis
e nessa humanidade quase perdida
me lembrei das melhores músicas
dos melhores filmes livros e da poesia
pensei nos amigos nos filhos
na mãe no pai na lua de ontem
e vi que o dia era azul um dia de inverno azul
e os gatos estavam ali no sol
e vi que nada vai fazer diferença
o dia segue bonito ou desesperado
e vou pra janela fumar um pedaço de deus ou do diabo

*

Leia mais de Adriana Godoy em seu blog "Voz".

7 comentários:

Tania Anjos disse...

Nossa... Como admiro a escrita de Adriana Godoy e como estava com saudade de lê-la.

Nessa minha leitura, a autora funde prosa e poesia na universalidade do Humano e na mais genuína perplexidade e compaixão. Imagens incríveis! Bonito demais.

Vejo-te na janela, Adriana, e me parece ser Deus entrando pelos seus poros e olhos e narinas...

Grande abraço e beijo, poeta! Feliz demais por você estar por aqui.

Mais um post e tanto, Lara.
Obrigada!

Anônimo disse...

A Dri Godoy foi a primeira poeta que me lembro de ter contato através dos blogs, há alguns anos, quando comecei a postar meus textos. Sua escrita intimista e corrosiva me captou de cara, também por eu sentir a necessidade de seguir linha semelhante na poesia. Uma poeta que sempre mexe muito comigo, que parece enxergar a vida de um local parecido. Também me sinto dividindo esta janela com ela.

Beijos, Tania e Dri!

Unknown disse...

a Adriana é visceral, eu gosto muito



beijo

Adriana Godoy disse...

Gente, assim fico até sem graça! A Larinha é uma poeta que sempre faz parte de minhas leituras cotidianas. Gosto demais e admiro o seu trabalho. Algo temos em comum, com certeza! Mas não me considero poeta, como já disse. Apenas jogo algumas palavras que saem de dentro, reais ou não!

Obrigada, Tânia, Obrigada, Assis e Larinha, especialmente. Beijos

Thuan Carvalho disse...

que escrita pesada.
muito boa, aguça os instintos!

abraço.

Eleonora Marino Duarte disse...

Adriana é mestre, simples assim.

parabéns por trazerem a poesia excelente dela até aqui e as artes de Rafael. ficou maravilhoso o post!


beijos!

Wilson Caritta disse...

Muitas faces íntimas, maravilha!

Adriana Godoy, parabéns!...