PÁGINAS

sábado, 2 de março de 2013

Carlos Quiroga



oração

E depois pensar em ti
perder-me devagar no meio dum jardim botânico sem ter calculado
sem prévia busca de tempo ou rota no plano
como um náufrago no oceano de luz da manhã
pensando como seria bom perdermo-nos a dois

E antes a Travessa-do-Fala-Só
como um sorriso calmo subindo para o Bairro Alto
subindo a vista sobre o mar
o mar entrando grande no Tejo em que se confunde
do modo como eu gostaria de confundir-me em ti

E agora a estonteante febre
da beleza das plantas e dos teus olhos ausentes
no trânsito do cérebro para o coração
e como te rogo sem te ter tido
nestas palavras que te rezam




nada

Transitei as horas do dia como um tonto
premeditando o gesto transcendente que me havia de salvar
mas as horas passavam
e eu percebia a sua inutilidade em cada cigarro

Ao menos na estação existem comboios
e das horas tediosas no cais
sempre se é uma vítima inocente

Transitei a culpa conscientemente, sem valor para suicídios
como uma véspera de nada, lembrando
o cheiro a linimento das tardes de domingo, tão inúteis também
como esses passatempos que inventam
para homens cansados de viver

Talvez ainda sem caminhos de ferro chegue um comboio
e eu sinta na pele a alegria da inocência...




neurona

Lembro que antes lembrava um rosto
do qual não lembrava o nome

Agora nem o rosto lembro
e em breve nem lembrarei que lembrava

 do livro: G.O.N.G.- mais de vinte poemas globais e um prefácio esperançado (1999) 





Carlos Quiroga,(Escairom -Terra de Lemos-, 1961])

Atualmente é escritor e professor de literaturas lusófonas na Universidade de Santiago de Compostela, membro da direcçom da Associaçom de Escritores em Língua Galega, membro da Associaçom Galega da Língua (AGAL) e ex-diretor da revista Agália.

Publicou G.O.N.G. -mais de vinte poemas globais e um prefácio esperançado (1999), Periferias (1999, Prémio Carvalho Calero de narrativa, publicado em Brasil em 2006), A Espera Crepuscular (2002, primeira parte da trilogia Viagem ao Cabo Nom), Il Castello nello Stagno di Antela - O Castelo da Lagoa de Antela (2004, Prémio de Teatro infantil na Mostra de Ferrol-Terra em 1988, publicado na Itália em galego e italiano), O Regresso a Arder (2005, terceira parte de Viagem ao Cabo Nom), Inxalá (2006, Prémio Carvalho Calero de narrativa), Venezianas (2007). Fundou e dirigiu a revista galega O mono da tinta.

Bolseiro de investigaçom da Fundaçom Calouste Gulbenkian (1991-92), do atual Instituo Camões (1992-93), e da Universittà Italiana per Stranieri (1983), foi prémio extraordinário de doutorado, professor de Língua e Literatura Galegas, e o primeiro professor de Português em E.O.I. na Galiza, antes de trabalhar na universidade

Fonte:O presencialismo galego - PORTAL GALEGO DA LÍNGUA

4 comentários:

Jayme Ferreira Bueno disse...

Que bom o teu retorno ao Poetas Vivos!
Bons poemas do lusitano-galego Carlos Quiroga.
Vamos em frente!
Abraços, Jayme

Tania Anjos disse...

Sempre com boas e sinceras palavras a me incentivar. Muito obrigada, Prof. Jayme.

Sim..., belos e apaixonantes poemas do poeta Carlos Quiroga que, merecidamente, "guardei" por aqui.


Grande abraço,
Taninha.

Lídia Borges disse...


Carlos Quiroga! Excelente.
Tive a oportunidade de conversar com ele, ainda há pouco, nas Correntes d'Escrita, onde é presença assídua.

Um beijo

Tania Anjos disse...

Obrigada pela presença e comentário, Lídia Borges!

Grande abraço a você e ao poeta!