PÁGINAS

segunda-feira, 1 de abril de 2013

DOIS POEMAS DE NUNO JÚDICE


I
A ORIGEM DO MUNDO

De manhã, apanho as ervas do quintal. A terra,
ainda fresca, sai com as raízes; e mistura-se com
a névoa da madrugada. O mundo, então,

fica ao contrário: o céu, que não vejo, está
por baixo da terra; e as raízes sobem
numa direcção invisível. De dentro
de casa, porém, um cheiro a café chama
por mim: como se alguém me dissesse
que é preciso acordar, uma segunda vez,
para que as raízes cresçam por dentro da
terra e a névoa, dissipando-se, deixe ver o azul.


II
POEMA DE AMOR PARA USO TÓPICO

Quero-te, como se fosses
a presa indiferente, a mais obscura
das amantes. Quero o teu rosto
de brancos cansaços, as tuas mãos
que hesitam, cada uma das palavras
que sem querer me deste. Quero
que me lembres e esqueças como eu
te lembro e esqueço: num fundo
a preto e branco, despida como
a neve matinal se despe da noite,
fria, luminosa,
voz incerta de rosa.


Nuno Júdice (1949), poeta português. (www.citador.pt/poemas/jogo-nuno-judice)

 

4 comentários:

Anderson Lopes disse...

Dois grandes poemas
Fazendo brotar em mim
Vastas inspirações!

José Carlos Sant Anna disse...

Dois poemas, duas intersecções, e uma boa escolha. Um poeta que só enriquece a literatura portuguesa.
Abr.,

Tania Anjos disse...

Tão bonitos...

Grande abraço Prof. Jayme. Bela escolha.

Jayme Ferreira Bueno disse...

Obrigado a todos! Considero Nuno Júdice a voz poética mais viva da atual literatura portuguesa.
Abraço a todos.